domingo, 28 de março de 2010

Apontamento

O poema de Álvaro de Campos:

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.


Interpretado por Margarida Pinto:


domingo, 17 de janeiro de 2010

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

nova morada

Há uns dias que não te vejo descer a rua em frente à minha janela,
esperava-te hoje, como ontem, e antes, e antes de antes te esperar....
e tu não passas,
Que é de ti?
Ouvi dizer que te mudaste,
não de casa,
mas de morada,
Já não habitas a mesma rua da Esperança
que habitavas quando te conheci,
que é feito das tuas perpendiculares de sonhos?
Que é de ti? que não te vejo...
Que é de ti? que não te reconheço já...

Acho que vieste ver-me um outro dia,
contavas-me de ti,
sem eu saber que eras tu,
mas fazia sentido,
em ti, tudo fazia sentido,
Há todo o sentido em deixarmos de ser quem éramos.

Também me quero mudar,
rua da Viagem,
sabes onde fica?

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

18 Outonos.

Os teus pés são o dobro dos meus,
tal como as tuas mãos e os teus braços.
E tu, pedes-me que te proteja,
e eu,
mesmo sabendo que sou metade
do tamanho que és,
sei que sou grande ao ponto
de te ter no peito.
E nada mais te atinge
nada mais te toca,
eu sou a tua pele,
Dou festas no teu cabelo,
Beijo-te a testa,
ofereço-te o carinho que sou,
e tu gostas...
Mas não ficas,
e sei, que nunca vais ficar,
e eu continuo a beijar-te as mãos,
sempre e para sempre,
querido.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Porque querer não chega,
E é difícil correr quando já não se tem sapatos,
Na procura de fugir,
Eles encontram-se sempre.

No fundo, eles não se querem afastar,
Apenas desejam resistir.

É na tentação que reside a inércia.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Tempestades

A chuva dos dias
já cansa;
A dor dos dias
já só nos abandona
Na Primavera
viveremos felizes,
E aí,
cantaremos as lágrimas...

Que de nós
caem,
as últimas mãos dadas
e guardo o toque
dos teus dedos,
na minha pele.